Por ESTEFÂNIA RODRIGUES
BRASÍLIA, DF (AGÊNCIA BRASIL) – Um problema deixado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) foi o desequilíbrio de R$ 6,3 bilhões no seguro-desemprego que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá que lidar no início de 2023.
A atual gestão do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) admitiu em comunicado que houve falta de verba no final de 2022 – em resumo, não havia recursos para pagar todas as parcelas do benefício previstas para aquele ano.
As despesas foram cobertas com o orçamento do governo Lula e, de acordo com especialistas, parece ter gerado um efeito cascata. No final de 2023, uma nova falta de verba forçou o ministério a empurrar os gastos com o seguro-desemprego para o início de 2024, num total estimado até agora em R$ 5,66 bilhões.
Os dados foram obtidos pelo painel Siga Brasil. Após serem contatados pela reportagem, o Tesouro Nacional, a Secretaria de Orçamento Federal e o MTE realizaram uma reunião técnica em 29 de fevereiro para discutir a questão.
Após a reunião, o Ministério do Planejamento e Orçamento declarou em comunicado que os órgãos estão trabalhando para a “correção dos processos de execução dessas despesas”, porém não detalhou o diagnóstico nem as soluções que serão adotadas.
O MTE informou que os beneficiários receberam os pagamentos em dia e não foram afetados, no entanto não explicou as razões para a falta de verba. O ministério afirmou que está “empenhando esforços” para cumprir todas as obrigações e solicitará novos créditos, se necessário.
O Tesouro foi contactado em 27 de fevereiro, mas optou por não responder.
A correção na execução dessas despesas pode causar pressão no Orçamento, já que seria preciso reduzir outros gastos. Por isso, pessoas envolvidas nas discussões afirmam que a solução não será imediata e exigirá um processo gradual.
O problema está na sequência da execução orçamentária.
A Lei de Finanças Públicas estabelece que o empenho da despesa (primeira etapa do gasto) deve ocorrer no momento em que surge a obrigação de pagamento. Enquanto a liquidação (segunda etapa) consiste na verificação do direito adquirido pela pessoa que irá receber o dinheiro.
Ao aprovar um pedido de seguro-desemprego, o governo assume o compromisso de pagar de três a cinco parcelas ao trabalhador. Para a CGU (Controladoria-Geral da União), esse compromisso deveria ser considerado como liquidação da despesa, e o ministério deveria empenhar e liquidar o valor de todas as prestações – mesmo que o saque do dinheiro só seja efetuado nos meses seguintes.
O MTE tem evitado seguir esse procedimento, empenhando as despesas apenas no mês do pagamento. Na prática, isso permite ao ministério comprometer um gasto sem registrá-lo no Orçamento, enquanto o espaço disponível é utilizado para outras ações. Com a mudança de governo, a dívida fica para o sucessor.
Este problema foi abordado pela CGU em uma auditoria nas contas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) de 2021, que identificou R$ 2,01 bilhões em benefícios aprovados sem empenho e incluídos como restos a pagar para o ano seguinte.
Este valor era maior do que a dotação disponível (R$ 343,4 milhões). Ou seja, R$ 1,67 bilhão em despesas não autorizadas, “em violação das regras orçamentárias”, conforme descrito no relatório.
A CGU atribuiu a irregularidade à decisão do governo Bolsonaro de reduzir as dotações do seguro-desemprego no final de 2021 –um ano marcado por pressão do centrão por liberação de emendas e pela preocupação do então presidente em aumentar os gastos sociais visando as eleições de 2022.
Conforme os auditores, entre 30 de novembro e 31 de dezembro de 2021, o orçamento para o benefício foi reduzido em R$ 3,76 bilhões.
“A administração do FAT, ao não tomar medidas para garantir a disponibilidade orçamentária para cobrir parte das despesas do seguro-desemprego aprovadas em 2021, agiu de forma incongruente com as normas legais e constitucionais”, afirma o relatório. Segundo a CGU, os fatos descritos ainda aguardam análise pelo TCU (Tribunal de Contas da União).
O ex-ministro Onyx Lorenzoni, que comandou o Ministério do Trabalho de julho de 2021 a março de 2022, afirmou em comunicado que a execução orçamentária sempre seguiu o fluxo de pagamento. Ele atribui à PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) a interpretação de que os recursos previstos no Orçamento são destinados ao pagamento das despesas do exercício de efetivação. Para o ex-ministro, o modelo proposto pela CGU tornaria a tarefa “bastante complexa”.
Seu sucessor no cargo, o ex-ministro José Carlos Oliveira, foi contatado, porém não respondeu.
Os relatórios oficiais indicam que as despesas pendentes de 2021 foram pagas com o Orçamento de 2022, porém a contabilidade do FAT apontou outra distorção. Elas deveriam ter sido classificadas como “Despesas de Exercícios Anteriores” – o que começou a ser feito a partir de 2023 e permitiu o rastreamento dos valores no painel do Siga Brasil.
As DEAs, no vocabulário financeiro, representam um expediente excepcional que os gestores podem utilizar para empenhar obrigações de anos anteriores que não foram processadas a tempo ou para as quais não havia verba suficiente.
O uso das DEAs não configura, por si só, uma irregularidade. O que é incomum é quando essas DEAs tomam uma proporção significativa como ocorre agora. Elas totalizaram R$ 36,4 bilhões em 2022 e atingiram R$ 37,9 bilhões no ano passado, em valores já ajustados. São cifras maiores até do que as registradas em 2015, ano da regularização das chamadas “pedaladas fiscais”.
Além de parte do seguro-desemprego, o MTE também está classificando como DEA o gasto completo com o abono salarial. O problema tem uma origem semelhante.
Até 2021, o pagamento do abono salarial seguia de julho a junho do ano seguinte, e o ministério reconhecia a despesa somente no momento do pagamento, dividindo o empenho em dois exercícios.
Em duas auditorias, de 2020 e 2021, a CGU apontou que o procedimento era inadequado e recomendou o empenho total dos valores no momento em que o direito ao abono fosse reconhecido.
Como não havia recursos suficientes no Orçamento de 2021 para seguir essa recomendação, o governo decidiu adiar todo o calendário para 2022, o que não só evitou o estouro do teto de gastos como também liberou R$ 7,5 bilhões para impulsionar emendas. Na época, os técnicos viram essa mudança como uma forma de “pedalada”.
Desde então, o abono salarial é classificado como DEA e pago com dois anos de defasagem (em 2024, receberá o benefício quem trabalhou com carteira assinada em 2022).
A CGU afirmou em comunicado que não foram realizadas mais auditorias sobre o tema desde 2021. “Portanto, é necessário conduzir uma nova auditoria para emitir uma avaliação sobre a adequação dos procedimentos adotados pelo MTE e sobre os acontecimentos a partir do exercício de 2022.”
O órgão também declarou que “não há recomendação específica sobre o registro do pagamento do seguro-desemprego como despesas de exercícios anteriores”.
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