O mais recente filme “O último pub” está disponível para ser assistido nos cinemas do IMS Poços e IMS Paulista durante o mês de agosto.
Aos 88 anos, Ken Loach, renomado cineasta britânico conhecido por seu engajamento político e social, mantém sua lealdade aos valores humanistas em um mundo cada vez mais impiedoso. Em seu filme mais recente, “O último pub”, que estreou nesta semana, Loach procura reunir os destroços dos sonhos despedaçados ao longo das décadas e encontrar razões para manter a esperança. Além disso, o filme lança luz sobre o contexto histórico que está por trás das recentes manifestações da extrema-direita na Inglaterra.
A trama se desenrola em uma pequena cidade no nordeste da Inglaterra que entrou em decadência após o fechamento da mina de carvão local. Nesse ambiente social precário, onde os desempregados de meia-idade frequentam o bar, os jovens vagam pelas ruas sem perspectiva e as mulheres se esforçam para alimentar a família, a chegada repentina de refugiados sírios designados para casas vazias na cidade pelo serviço social agita ainda mais as coisas.
Discriminação e hostilidade
Como era de se esperar, toda a animosidade dos moradores se volta contra os recém-chegados, manifestando-se em forma de discriminação e hostilidade. “Em busca de um culpado, nunca olhamos para cima, sempre para baixo, para pisar naqueles que estão em uma situação pior do que a nossa”, resume TJ Ballantyne (Dave Turner), proprietário do pub The Old Oak, onde os homens da comunidade se reúnem para beber e hostilizar os estrangeiros.
TJ representa uma espécie de último defensor da consciência proletária e dos valores de solidariedade internacional. Não é por acaso que a jovem síria Yara (Ebla Mari), que atua como líder informal e tradutora dos recém-chegados por falar fluentemente inglês, encontra apoio nele. A conexão entre os dois permite a Ken Loach fazer uma transição entre a luta operária do século 20 e o drama da imigração do século 21.
O filme se destaca, em minha opinião, quando essa conexão (de personagens e temas) é visualizada mais do que expressa verbalmente, evitando o didatismo excessivo.
A primeira cena, antes mesmo dos créditos iniciais, é notável: uma série de fotos em preto e branco mostra a chegada dos refugiados e a hostilidade de um grupo de locais embriagados, narrada em voz over. A fotografia desempenha um papel fundamental na conexão entre os dois mundos: as fotos de greves e protestos operários capturadas pelo pai de TJ, um mineiro combativo, dialogam com as imagens dos refugiados registradas por Yara.
Fiel a um realismo social clássico e quase documental, que destaca pessoas reais, Loach apresenta poucas extravagâncias visuais em seu filme. Ainda assim, ele consegue criar cenas poeticamente potentes, como a visita de TJ e Yara à catedral de Durham, construída pelos normandos há séculos. “Meu pai costumava dizer que a catedral pertencia não à Igreja Católica, mas sim aos trabalhadores que a construíram”, comenta TJ. Enquanto isso, Yara reflete melancolicamente sobre a destruição de antigas construções romanas em Palmira, na Síria, pelo Estado Islâmico.
O paradoxo da esperança
“O último pub” é, de certa forma, uma reflexão sobre a persistência da esperança em um mundo que parece conspirar contra ela. No entanto, a esperança em si carrega uma ambiguidade. “A esperança machuca, a esperança pesa”, diz Yara, ecoando os sentimentos expressos por Manuel Bandeira em seu poema “Rondó do capitão” (“Não há peso mais pesado”). A jovem conclui que a esperança é necessária para continuar vivendo.
O filme de Ken Loach é permeado por essa contradição, por essa angústia. Talvez por isso, sua atmosfera seja melancólica, quase elegíaca, sem a chama revolucionária de “Terra e liberdade” (1995) ou o humor de obras como “À procura de Eric” (2009) ou “A parte dos anjos” (2012). Dos sonhos de mudar o mundo, resta a solidariedade entre os oprimidos. Uma política de danos controlados, ou algo parecido. À beira dos 90 anos, o veterano está cansado de guerra, mas não parece disposto a desistir.
https://ims.com.br/blog-do-cinema/o-ultimo-pub-por-jose-geraldo-couto/