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Instituto Moreira Salles: Lembranças vindas do porvir.

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Imagine um filme fascinante e encantador, que mistura realidade e ficção, comemoração e luta, memória e futuro. Esse é “A flor do buriti”, dirigido por Renée Nader Messora e João Salaviza, que estreia neste dia nas principais salas de cinema.

O filme retrata o cotidiano de uma aldeia krahô, com suas atividades, rituais, conversas e brincadeiras, porém tudo isso cercado pela ameaça de invasão de seu território e pelas lembranças das batalhas passadas, incluindo o trauma do massacre cometido contra a etnia por fazendeiros em 1940.

A narrativa parece ser episódica, com sequências independentes, mas dois elementos narrativos não permitem que se torne apenas um registro etnográfico: os últimos dias da gravidez de uma jovem da aldeia e os preparativos para uma grande manifestação indígena em Brasília, contra o governo Bolsonaro.

Essas duas situações, que adicionam drama e suspense ao filme, se entrelaçam quando descobrimos que a grávida é esposa do líder Hyjnõ (Francisco Hyjnõ Krahô), um dos representantes enviados pela aldeia a Brasília.

 

Realidade e Imaginação

Além disso, os sonhos da pré-adolescente Jotát (Solane Tehtikwyj Krahô) também contribuem para unificar a história e dar-lhe um significado transcendental, permitindo que o filme transite entre o real e o imaginário, o presente e o passado.

Os sonhos de Jotát são interpretados pelos mais velhos como mensagens dos antepassados para continuar a luta em defesa do território contra as invasões dos “cupen” (não indígenas). Uma das imagens marcantes é o encontro entre duas crianças indígenas e um boi desgarrado – o primeiro indício do cerco dos pecuaristas à aldeia.

O rosto expressivo de Jotát, retratado no cartaz do filme, é o ponto onde se cruzam todas as linhas dramáticas dessa moderna fábula.

Não se trata de uma visão conservadora ou folclórica: os indígenas do filme utilizam celulares, rifles, caminhões e interagem diariamente com o mundo dos não indígenas. Em uma conversa entre Jotát e sua mãe, a menina menciona que costumava comer toda a caça que seu pai trazia para casa quando era pequena. A mãe responde, rindo: “Hoje seu pai não caça mais. Virou um caçador de supermercado.” Em outra cena, homens adultos contam para as crianças que no passado eram obrigados a comer fezes de cachorro e pimenta em rituais de iniciação, práticas que foram abandonadas.

 

Cultura Viva

Preservar a cultura, a língua e a visão ancestral do sagrado em um mundo profundamente transformado é o desafio que os krahôs enfrentam com coragem e adaptabilidade em “A flor do buriti”, que teve a colaboração de Francisco Hyjnõ Krahô, Ilda Patpro Krahô e Henrique Ihjãc Krahô na escrita do roteiro e inclui indígenas da aldeia em seus próprios papéis.

Vale ressaltar que as imagens, capturadas em película de 16mm, são de uma beleza singular, especialmente as cenas externas noturnas, com seu balé de faíscas e estrelas. De certa forma, “A flor do buriti” é para os krahôs o que “A última floresta”, de Luiz Bolognesi, é para os ianomâmis.

Ainda que sejam diferentes entre si, ambas são experiências colaborativas enriquecedoras entre cineastas não indígenas e povos originários, onde os primeiros compartilham seu conhecimento técnico e sensibilidade poética em prol dos últimos, de sua cultura e de seu imaginário. Isso não impede – muito pelo contrário – o surgimento de uma geração inteira de cineastas indígenas, como Morzaniel Ɨramari Yanomami, Isael Maxakali, Divino Tserewahú, Priscila Tapajowara e Bepkadjoiti Kayapó, entre outros.

 

“Ainda Temos o Amanhã”

Outra abordagem criativa e poderosa para compreender o passado vem da Itália, em “Ainda temos o amanhã”, dirigido por Paola Cortellesi, que também estreia nos cinemas nesta quinta-feira, após se destacar na mostra de cinema italiano. É um dos maiores sucessos de bilheteria dos últimos anos na Itália, com mais de cinco milhões de ingressos vendidos.

Inicialmente, o filme evoca o neorrealismo de Rossellini e De Sica. O cenário é 1946, na Roma pós-Segunda Guerra e fascismo.

Imagens em preto e branco mostram bairros sujos e parcialmente destruídos, pessoas pobres lutando para sobreviver. No entanto, o foco se volta para a relação de uma mulher trabalhadora, Delia (a própria diretora, Paola Cortellesi), com seu marido violento (Valerio Mastandrea) e a filha adolescente (Romana Maggiora Vergano).

O tom do filme é diferente. Desde a primeira cena, na cama, Delia acorda e cumprimenta o marido, que responde com um tapa no rosto. O exagero tem um toque cômico, mas não exagerado. A partir daí, o filme oscila entre um realismo severo, descrevendo os obstáculos de uma família proletária, e uma fantasia repleta de música e humor.

O aspecto mais interessante é a mudança de perspectiva em relação aos filmes convencionais sobre a condição da mulher. O espectador, acostumado às obras que associam a felicidade feminina à descoberta do “grande amor”, é surpreendido pelo final emocionante, que combina destino individual e luta coletiva.

https://ims.com.br/blog-do-cinema/a-flor-do-buriti-e-ainda-temos-o-amanha-por-jose-geraldo-couto/