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O prazer de fazer cinema: a retribuição

O interesse por seriados e filmes de aventura, presente desde a trama, influencia na escolha do local para o primeiro confronto entre o casal principal e os vilões. As ruínas acidentadas de Palmira, em Olinda, proporcionam um toque de perigo e ação física às cenas, ao mesmo tempo em que oferecem um cenário visualmente atraente, seguindo a linha das encostas perigosas dos filmes de faroeste. As lutas e confrontos entre mocinhos e bandidos não faltam. A caracterização dos vilões e de seu esconderijo remete diretamente aos filmes de Hollywood, mas os apelidos têm um toque nordestino: Corisco, Bala N’Agulha, Timbira, Maciota.

Os jovens da Aurora, atentos às práticas do cinema americano valorizadas pela campanha em defesa do cinema brasileiro liderada por Adhemar Gonzaga e Pedro Lima nas revistas cariocas Para Todos… e Selecta, também investiram na política do estrelato. Eles contaram com a atriz Almery Steves e sua expressiva elegância diante da câmera. Revistas cariocas, incluindo Cinearte, que surgiu em 1926, passaram a exibir fotos dela em colunas dedicadas ao cinema brasileiro e até em capas de revistas, como na edição de novembro de 1926 da Selecta. No entanto, na cena inicial de Retribuição, onde ocorre a morte do pai, Almery recebe um tratamento especial que realça seu status de estrela: um close-up cuidadosamente iluminado e enquadrado a destaca em relação ao ambiente e aos outros personagens, combinando a dramaticidade da cena com a beleza de seu rosto virado para cima, iluminado para destacar suas feições e seu cabelo escuro.

Retribuição reflete o fascínio pelo cinema hollywoodiano e a dificuldade em seguir seus padrões. O uso frequente, e às vezes excessivo, de cartelas com diálogos mostra a insegurança em narrar uma história de forma menos dependente das palavras. Mesmo assim, as inúmeras cartelas ainda não são suficientes para resolver as incongruências da trama. No entanto, um recurso curioso chama atenção em termos de narrativa: dois flashbacks da mesma cena com diferentes pontos de vista (e montagens ligeiramente distintas), sendo o primeiro narrado pelo mocinho e o segundo pelo líder dos bandidos.

Após Retribuição, os filmes de ficção silenciosos feitos em Pernambuco oscilaram entre o diálogo com o cinema de gênero e características mais regionais. Essa dinâmica pode ser observada em outras produções da mesma época no Brasil e na América Latina, como destacado na mostra Anos 1920: Recife em tempo de cinema, que incluiu o brasileiro Tesouro Perdido (Humberto Mauro, 1927), o mexicano O Trem Fantasma (El tren fantasma, Gabriel García Moreno, 1927) e o colombiano Bajo el cielo antioqueño (Arturo Acevedo, 1925) – todos feitos fora das capitais de seus países, configurando as chamadas “produções regionais”.

A Cinemateca Brasileira realizou a digitalização em 4k de Retribuição a partir de uma cópia em nitrato, provavelmente feita na época do lançamento. Essa nova cópia digital permite apreciar um elemento estético do filme que ficou esquecido por décadas devido aos materiais em preto e branco e de baixa qualidade disponíveis: o uso das cores. Através de técnicas de tingimento e viragem, cores foram aplicadas na cópia em nitrato e agora são reproduzidas na digitalização. Vermelhos, verdes, sépias e outras cores surgem na tela para adicionar drama e criar belos efeitos visuais.

A nova cópia digital de Retribuição adquiriu outra camada de significado e apreciação, não apenas estética, mas também narrativa, em sessões com trilha sonora ao vivo, executada pelo trio de músicos liderado pelo guitarrista Lúcio Maia. Ao resgatar a prática do acompanhamento musical do cinema silencioso, eles oferecem uma abordagem contemporânea para essa produção quase centenária.

 


 

[1] Cunha Filho, Paulo C. (ed.). Relembrando o cinema pernambucano – Dos arquivos de Jota Soares. Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 2006, p. 61.

[2] Uma realização do Cinema do IMS, a mostra teve curadoria de Luciana Corrêa de Araújo, autora deste texto. [N.E.]

[3] É improvável que seja referência ao cangaceiro, que na época de realização do filme ainda estava se iniciando no cangaço.

https://ims.com.br/blog-do-cinema/retribuicao-a-gostosura-de-fazer-cinema-por-luciana-correa-de-araujo/