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Origem dos espíritos – Instituto Moreira Salles

O longa-metragem Até que a música pare está em exibição no cinema do IMS Poços durante o mês de outubro.

 

Atualmente em cartaz nos cinemas, há duas produções que abordam de maneiras distintas o processo de luto após uma perda dolorosa: o filme brasileiro Até que a música pare, dirigido por Cristiane Oliveira, e o francês Inverno em Paris, dirigido por Christophe Honoré. Ambos os filmes não são necessariamente depressivos, mas sim exploram o tema da superação de maneira singular.

A comparação entre essas duas obras, sem a intenção de estabelecer uma hierarquia ou julgamento de valor, pode ser esclarecedora, já que apresentam estratégias narrativas contrastantes, cada uma adequada à sua abordagem específica.

No filme brasileiro, um casal de idosos – a dona de casa Chiara (Cibele Tedesco) e o comerciante Alfredo (Hugo Lorensatti) – enfrenta o desafio de lidar com a perda de seu filho, Marco (Edu Seggabi), um professor de filosofia com quem o pai conservador tinha uma relação complicada.

Já no filme francês, é um adolescente de 17 anos, Lucas (Paul Kircher), que tenta se reerguer após a morte súbita de seu pai (Christophe Honoré), com quem tinha uma relação marcada por silêncios e não ditos.

Curiosamente, as duas mortes ocorridas nos filmes foram resultado de acidentes de carro. Mas vamos adiante e explorar mais sobre cada um deles.

 

Até que a música pare

Com cenário nas serras gaúchas, onde os descendentes de imigrantes falam o dialeto talian, oriundo do norte da Itália, Até que a música pare é um filme marcado por momentos de silêncio e contemplação. Os enquadramentos delicados e precisos, diálogos cheios de subentendidos e uma luz outonal que banha as cores em tons pastel criam uma atmosfera de melancolia, tristeza contida e busca pela aceitação.

Nesse contexto, focando na relação de afeto difícil entre os protagonistas, um dos temas centrais do filme é a religião. Em uma região fortemente influenciada pelo catolicismo, onde capelas à beira da estrada se assemelham a uma via-crúcis e um altar de Nossa Senhora é passado de casa em casa, um jovem italiano (Nicolas Vaporidis), noivo de uma mulher local, traz consigo a dúvida em uma concepção budista de mundo.

Chiara se vê dividida entre esses dois modos de consolo: a fé cristã na vida eterna no paraíso e a ideia de transmigração da alma para outras formas de vida, em um ciclo de existências influenciado pelo karma.

O filme não se aprofunda em detalhes sobre a jornada silenciosa desse dilema da protagonista, mas sim destaca a forma sutil com que equilibra o drama interno dos personagens com a representação da cultura viva da região (agrícola, vinícola, o dialeto, jogos populares, etc.), e ainda aborda questões socio-políticas como a corrupção, o uso político da religião, as fake news e a defesa das armas.

Em resumo, é uma obra-prima que se destaca pela atuação sóbria e comovente de Cibele Tedesco, em sua estreia no cinema aos 64 anos.

 

Inverno em Paris

Diferente da narrativa cronológica e do ritmo ponderado de Até que a música pare, o filme de Christophe Honoré reflete na sua forma a turbulência de uma alma adolescente em tormento. Além das angústias naturais diante das mudanças internas que não consegue compreender, Lucas precisa lidar com o vazio deixado pela morte do pai – e com tudo que ficou sem resolução entre eles.

É a partir desse dilema que surge a forma narrativa heterogênea de Inverno em Paris: a descontinuidade cronológica, com tempos sobrepostos sem aviso, mudanças de tom e gênero, o uso frequente de câmera instável, além de diálogos diretos com a câmera.

Em meio ao tormento de Lucas está a ideia de que seu pai nunca aceitou plenamente sua homossexualidade, mesmo sem jamais abordar o assunto. Entre o amor incondicional da mãe (Juliette Binoche, sempre brilhante) e a memória dolorosa do pai, entre a segurança da casa na província e a liberdade instável de Paris, o jovem se vê em um constante balanço, próximo do abismo.

Para um coração adolescente, a vida sempre parece estar na beira do abismo. E é desse tumulto que o filme de Christophe Honoré busca dar conta, com sucesso na maioria das vezes. A atuação de Paul Kircher é extraordinária.

https://ims.com.br/blog-do-cinema/ate-que-a-musica-pare-e-inverno-em-paris-por-jose-geraldo-couto/