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Renascimento de Iracema – Instituto Moreira Salles

No começo, acreditei que esta seria apenas mais uma tarefa, neste campo que tanto me agrada e no qual me especializei. No entanto, percebi que estava dedicando todo o meu esforço para restaurar esses filmes, da mesma forma que, duas décadas atrás, eu e meus irmãos, Maria e Antônio, restauramos as obras completas de nosso pai, Joaquim Pedro de Andrade, reunindo materiais espalhados por todo o mundo. Pois sem bons materiais, não se pode fazer boas restaurações.
Para que Iracema estivesse impecável a tempo das comemorações do 50º aniversário de sua criação, a digitalização e restauração do filme precisavam ser realizadas na Alemanha. Eu tinha um bom relacionamento com Martin Köerber, um renomado restaurador da obra de Fritz Lang, e pedi para que ele supervisionasse a restauração junto à ZDF, que não permite que seus materiais saiam da Europa.

Por uma feliz coincidência, durante a mostra de aniversário do programa Das kleine das Fernsehspiel, da ZDF, que produziu quatro dos filmes de Bodanzky, Iracema foi escolhido como o melhor filme dos anos 1970, e o cineasta foi convidado para apresentá-lo em Berlim. Foi lá que Martin Köerber e Bodanzky ficaram impressionados com a qualidade do som reproduzido. Devemos a Merle Kröger, curadora da mostra, a descoberta dos materiais sonoros de Iracema nos arquivos da ZDF, bem como dos outros três filmes. São matrizes analógicas praticamente intactas, capazes de reproduzir uma variedade de detalhes da trilha sonora anteriormente inaudíveis devido às limitações técnicas da época.

Fãs entusiasmados da obra de Bodanzky doaram os recursos que garantiram essa restauração, que não teria alcançado tamanha qualidade sem a parceria e dedicação de nossa equipe. Especial destaque para Débora Butruce, preservadora audiovisual da Mnemosine; José Luiz Sasso, da JLS; Denise Miller, da Link Digital; e Aarão Marins, da Mapa Filmes. O Departamento de Artes e Design da PUC-Rio facilitou o acesso a uma grande quantidade de arquivos, e contamos com o essencial apoio da Cinemateca Brasileira. Agradeço imensamente pela colaboração de todos os seus funcionários. O trabalho da equipe do Cinema do IMS foi fundamental em todo esse processo. A nossa gratidão a Marcia Vaz e Kleber Mendonça Filho.

Acompanhar Bodanzky na recuperação das cores dos filmes, ouvir as histórias das filmagens e compreender seu método de mesclar o real com a ficção tem sido uma experiência única. Foi emocionante ver os rostos na procissão do Círio de Nazaré, cada um com sua própria verdade, em meio a uma profusão alucinante de ex-votos. Observar as sutilezas da interpretação de Iracema pela jovem Edna de Cássia. Reconhecer o talento de Conceição Senna, tanto na atuação quanto na escolha dos minúsculos vestidos que Iracema nunca repetia e que pareciam não caber em sua simples maleta.

Além de Iracema, uma transa amazônica, o projeto inclui a restauração de Terceiro milênio, uma obra-prima do cinema direto que acompanha o visionário senador Evandro Carreira em sua campanha eleitoral pelo rio Solimões abaixo, em meio à beleza dos rios e da floresta nos anos 1980. “A Amazônia é água em absurdo!”, proclama ele, em meio a uma enxurrada de adjetivos. “Ou tu me decifras, homem do terceiro milênio, ou serei eu a te devorar com a devastação que será o futuro da Amazônia!”

Bodanzky realizou 16 filmes na região ao longo de 50 anos. Seu mais recente, Amazônia, a nova Minamata?, premiado diversas vezes, aborda a contaminação por mercúrio causada pelo garimpo. Aos 81 anos, Jorge Bodanzky continua usando seu cinema para conscientizar as aldeias indígenas, os quilombos, as comunidades ribeirinhas, bem como os políticos e a sociedade civil organizada.

Sua obra, vista como um todo, revela a complexidade e a riqueza da Amazônia, um lugar que poucos conhecem completamente e que ninguém entende inteiramente. Como não podemos restaurar a floresta em 16K, colher frutas de árvores em 3D e fazer um backup do bioma em uma gigantesca nuvem (que não desabe em chuvas), é essencial que essa visão ampla, profunda e sensível da Amazônia seja compartilhada com muitos olhos, em diversas partes do mundo e através do tempo. Felizmente, a imagem de Evandro Carreira de sunga, discursando entre as vitórias-régias, persiste em minha mente, acima das imagens da paisagem seca que é o leito do rio Solimões hoje em dia.

https://ims.com.br/blog-do-cinema/nova-vida-para-iracema-por-alice-de-andrade/