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Cientistas buscam formas de enfrentar a morte através da criogenia e bactérias

SOPHIA PEREIRA
ONOKIO, JAPÃO (AGÊNCIA PRESS) – Aos 35 anos, Luiza Oliveira sempre recebe elogios sobre sua aparência jovem e radiante. “Eu faço questão de cuidar de mim”, afirma ela, enfatizando o valor que dá à vida. Tanto é assim que a arquiteta pretende ter seu corpo criogenicamente congelado após sua morte na expectativa de um dia ser revivida.

Luiza, moradora de Tóquio, no Japão, é uma das associadas à Brainfreeze, uma empresa sediada nos Estados Unidos que se dedica à criogenia em pessoas falecidas, com a esperança de ressuscitá-las no futuro. Entretanto, tudo isso ainda é ficção científica, como Luiza faz questão de salientar. “Atualmente, é algo impossível.”

José Pedro Santos, coordenador do Laboratório de Congelamento e Descongelamento da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e sem vínculos com a Brainfreeze, explica que o processo de congelar matéria orgânica tem início com a produção de hélio líquido, área na qual ele atua na universidade.

O hélio líquido é obtido a partir do hélio presente no ar. Após ser capturado por máquinas especializadas, ele é transformado na forma líquida, que atinge -196ºC. Esse líquido é crucial para resfriar materiais biológicos, um procedimento não realizado no laboratório coordenado por Santos, que se limita a fornecer o elemento para outras instituições.

No Brasil, não há conhecimento de laboratório que ofereça esse serviço de congelamento de corpos com a perspectiva de revivê-los no futuro. Contudo, a técnica é empregada para outros propósitos, como a preservação de óvulos e espermatozoides. “A eficácia do congelamento é incontestável”, afirma Santos.

O desafio maior quando se trata da criogenia de corpos ou órgãos humanos é o processo de descongelamento. Para materiais mais simples, como células, o descongelamento é menos problemático e menos propenso a causar danos substanciais. O mesmo não se aplica ao corpo humano.

“Em um organismo tão complexo, […] caso o descongelamento não seja realizado de maneira a preservar o material, isso poderá resultar em algum tipo de dano ainda desconhecido”, destaca a pesquisadora da UFMG.

Esse é também um ponto de preocupação para Carlos Ruiz, copresidente da Brainfreeze. Ele admite que ainda não se sabe como realizar o descongelamento sem comprometer órgãos mais complexos. No entanto, isso não o desanima – a Brainfreeze financia pesquisas no intuito de resolver esse impasse.

“A tecnologia de ressuscitação deve ser primeiramente desenvolvida em escalas menores, como para órgãos como os rins, algo que a Brainfreeze considera prioritário e, portanto, apoia a pesquisa sobre os passos incrementais”, declara.

Com o avanço nesse sentido, talvez seja viável resolver a questão do descongelamento do cérebro, um objetivo bastante ambicioso devido à complexidade em evitar danos ao órgão, porém crucial para o intento de trazer alguém de volta à vida. “O objetivo é acessar o cérebro, as memórias, a personalidade”, revela Ruiz.

E o custo desse serviço, mesmo sem garantias quanto ao futuro, é substancial. No caso da Brainfreeze, ultrapassa os R$ 1 milhão.
Luiza, a arquiteta, assegura ter adquirido um seguro de vida que cobre os custos do congelamento de seu corpo.

Apesar das incertezas, ela permanece otimista de que, um dia, será possível superar o dilema do descongelamento. “Atualmente, é visto como algo absurdo […] congelar pessoas para trazê-las de volta à vida. Tudo bem, hoje pode parecer absurdo, mas talvez um dia seja factível, e, se for, eu gostaria de participar desse processo.”

Ela também acredita que a medicina precisa evoluir e aprimorar a qualidade de vida para que uma eventual ressurreição seja verdadeiramente significativa. Afinal, argumenta Luiza, “não adianta trazer de volta alguém que faleceu para que essa pessoa viva com o corpo todo debilitado”.

E, de certa forma, é exatamente isso que Rafael Lemos investiga. Ele não está envolvido com criogenia – na verdade, ele duvida que a técnica seja bem-sucedida em organismos complexos. Lemos é líder do grupo de pesquisa em células-tronco e metabolismo no Instituto Leibniz sobre Envelhecimento – Instituto Fritz Lipmann (FLI), na Alemanha.

Nessa instituição, diversas pesquisas estão em andamento visando prolongar a vida humana e aprimorar a qualidade de vida no contexto do envelhecimento. Uma dessas abordagens é a implementação de uma dieta restritiva. Segundo Lemos, o consumo de cerca de 70% da ingestão habitual pode contribuir para aumentar a longevidade.

A fundamentação para esse efeito está relacionada ao metabolismo e ao desenvolvimento do organismo humano. Embora seja benéfico, ambos os procedimentos têm desvantagens. O metabolismo, por exemplo, resulta em oxidação corporal, ocasionando danos no DNA. E, ao se alimentar, o metabolismo é estimulado – logo, reduzir a ingestão seria uma estratégia para minimizar esses danos.

Estudos com camundongos indicam que uma dieta restritiva está associada a um aumento de 20% a 30% na expectativa de vida desses animais, relata Lemos. Contudo, a evidência ainda demanda ampliação e inclusão de pesquisas em seres humanos. Além disso, pesquisas anteriores demonstram que essa dieta precisa ser adotada desde cedo e mantida ao longo da vida, o que representa um desafio.

Outra linha de pesquisa inclui as bactérias presentes no estômago humano. A presença desses microrganismos é crucial para o correto funcionamento do organismo. Todavia, estudos revelaram que, com o passar dos anos, esse complexo ecossistema bacteriano se modifica, podendo ocasionar desequilíbrios e, consequentemente, ampliar a inflamação no organismo humano. “O processo de envelhecimento é acelerado”, resume Lemos.

Uma estratégia para contornar essa questão é o transplante de bactérias de uma pessoa jovem para uma mais idosa. Pesquisas precisam ser conduzidas em seres humanos, mas a técnica parece funcionar, ao menos em peixes. “Em peixes, já foi comprovado que é viável transplantar bactérias intestinais de jovens em indivíduos mais velhos, prolongando assim a sua vida”, aponta Lemos.

Existem outros métodos para lidar com o envelhecimento, e um deles envolve a genética. Bruna Almeida investiga essa temática no Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL). O centro é vinculado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) por ser um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid).

O trabalho coordenado por Almeida se concentra em idosos que demonstram resistência a várias doenças, como a Covid-19. “Esses indivíduos possuem genes de resistência, conseguem enfrentar qualquer desafio do ambiente”, destaca.

A proposta é identificar quais genes estão associados a essa característica. O método parte da reprogramação celular, em que as células são reprogramadas para o estágio embrionário a partir do sangue, permitindo o estudo da linhagem genética dos indivíduos resistentes. Assim, é possível compreender quais genes estão ligados à resistência e como eles contribuem para esse efeito.

A expectativa é que, no futuro, seja viável realizar modificações nos indivíduos que não possuem naturalmente esses genes relacionados à resistência. Portanto, seria viável transmitir essa característica para a população em geral, prevenindo problemas de saúde e, por conseguinte, prolongando a longevidade.

Essa área é objeto de pesquisa não apenas pelo grupo de Almeida, visto que pesquisas similares são conduzidas em todo o mundo. Até o momento, isso é apenas uma perspectiva para o futuro – as pesquisas são preliminares e há muito a ser feito para prolongar a vida humana, seja por esse método ou por outros.

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