La Chimera está em exibição nos cinemas do IMS Paulista e Poços durante o mês de maio.
Em cartaz nas principais salas de cinema, o filme italiano La chimera, dirigido por Alice Rohrwacher, se destaca como uma das produções mais originais e surpreendentes do momento, conquistando, entre outros prêmios, o do público na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Resumidamente, a história destaca um grupo um tanto quanto peculiar de saqueadores de túmulos etruscos em busca de artefatos para vender no mercado de antiguidades. Eles contam com a habilidade misteriosa de um inglês lacônico, Arthur (Josh O’Connor), para descobrir a localização das preciosidades. Tudo culmina nas mãos de um ambicioso açambarcador conhecido como Spartaco – ironicamente batizado com o nome do líder de uma revolta de escravos em contraste com o capitalismo voraz.
Profundidades e Conexões
A trama de La chimera se desenrola como camadas geológicas que eventualmente se intersectam. Além da pressão dos colegas para explorar o subsolo, Arthur enfrenta o espectro de um amor passado, sua falecida namorada Beniamina, que o assombra em sonhos e memórias (em cenas rodadas em 16mm com um quadro mais estreito do que o restante do filme).
Para complicar ainda mais, a mãe de Beniamina, Flora (Isabella Rossellini), uma aristocrata decadente e professora de canto confinada a uma cadeira de rodas, acredita que a filha está viva – e conta com Arthur para encontrá-la.
Nesse contexto de constante desconforto e deslocamento de Arthur, ele encontra uma conexão singular com outra figura estrangeira: a brasileira Itália (Carol Duarte), aluna de canto e empregada doméstica da autoritária Flora.
Mistura de Estilos
Com maestria, Alice Rohrwacher (também diretora do belo Lazzaro felice) entrelaça essas linhas narrativas, transitando da comédia à aventura, ao suspense policial, ao comentário político e à poesia histórico-mitológica. O sagrado e o profano se mesclam, as épocas históricas se confundem, os vivos convivem com os mortos. As agruras dos pequenos saqueadores espertos de hoje adquirem uma dimensão metafísica ao tocar os vestígios de uma civilização extinta há milênios.
Tudo é feito sem grandiosidade, leveza ou solenidade. A diretora desafia o realismo e a verossimilhança de diversas maneiras: acelerando comicamente a imagem, quebrando a quarta parede com uma personagem falando diretamente para a câmera, caricaturando uma disputa comercial como uma batalha entre animais selvagens, entre outros. Essa aparente incongruência em uma narrativa realista confere surpresa e vivacidade ao filme como um todo.
Nesse exercício de liberdade criativa, é evidente a influência de Fellini. Uma festa provinciana em que os homens se vestem de mulheres lembra Amarcord, a indolência cômica dos saqueadores traz à mente Os boas-vidas, e os afrescos antigos que se apagam ao entrar ar no subsolo refletem uma cena semelhante em Roma.
No entanto, o olhar perspicaz e feminino da diretora se destaca nas falas antimachistas da francesa Melodie (Lou Roy-Lecollinet), na comunidade feminina que habita uma estação de trem abandonada e, principalmente, na figura encantadoramente desastrada de Itália, a brasileira mais vibrante e envolvente do filme, interpretada com brilhantismo por Carol Duarte. A abordagem de Alice Rohrwacher não é séria, mas irreverente, inesperada e divertida.
O artigo A descoberta do tempo foi publicado originalmente em Instituto Moreira Salles.
https://ims.com.br/blog-do-cinema/la-chimera-por-jose-geraldo-couto/